Bastardinho de Azeitão

Não deixa de ser um momento desconcertante quando degluto, enfio este vinho pela garganta abaixo. Ao saber que a vinha já não vive e que, em vez dela, existe cimento, alcatrão, aço e ferro assoma-se uma sensação algo singular. Não é todos os dias que temos à frente do focinho um vinho nascido numa vinha que foi riscada do mapa.
O esforço para reproduzir uma paisagem desaparecida é tremenda. Fazer apagar o que existe e substituir por um cenário mais bucólico, não é decididamente uma demanda fácil. Os pontos de referência estão completamente apagados, alterados. Provavelmente haveriam hortas, com certeza teríamos meia dúzia de animais domésticos, (não seriam certamente cães vadios), eventualmente conseguiríamos ouvir os grilos (mesmo com a velha fábrica da CUF no horizonte).
Apesar de conhecer o local (Lavradio) das presumíveis cepas (caminhei por aquelas bandas fartas vezes) a visão apresenta-se turva e algo distorcida.


O vinho, esse, dispensa longos enunciados. Não necessita e nem precisa que coloquemos no papel descritores, mais ou menos, inócuos. Existe para ser bebido e bem saboreado. Acaba por ser, muitas vezes, um instrumento de meditação sobre os actos do homem. Sendo um produto do passado, não deixa de ser, curiosamente, uma predição do futuro. Andam ser suprimidas, por esse mundo fora, muitas vinhas de bastardo.

No site da José Maria da Fonseca diz que este é um excelente exemplo, na Península de Setúbal, do resultado da produção de um vinho tinto licoroso, a partir de uvas tintas. A casta Bastardo era proveniente de vinhas plantadas a Sul do Tejo, entre a Caparica e o Lavradio, a última das quais foi arrancada em 1983 (contava com 13 anos e não conservo qualquer imagem das videiras).

Comentários

Valter Costa disse…
É um grande vinho. Provei em Maio o bastardinho 2008 onde só fizeram 15 litros. Nessa prova provei também um bastardinho da década de 30 que não tenho palavras.